Politica

E agora, qual será o legado?

"Alguns dizem que foi uma tentativa de saída honrosa para o fracasso das negociações da reforma da previdência. Pouco importa. O que interessa é o legado"

Arthur Trindade Costa*
postado em 18/02/2018 09:43
Militares em ação no Rio de Janeiro: onda de violência

Sobre a intervenção federal na segurança pública no Rio de janeiro, há várias questões que merecem análise. Ela foi resultado de uma conjunção política extremamente singular entre os interesses dos palácios do Planalto e da Guanabara. Ao contrário do que dizem, esta não foi a primeira ;intervenção; na área de segurança pública desde 1988. Por duas vezes, o estado de Alagoas sofreu uma ;intervenção branca;, como disseram à época. Não houve decreto presidencial, posto que impediria qualquer reforma constitucional. Desta vez, houve um decreto e a constituição não poderá ser reformada. Alguns dizem que foi uma tentativa de saída honrosa para o fracasso das negociações da reforma da previdência. Pouco importa. O que interessa é o legado.

Tanto em Alagoas quanto no Rio de Janeiro, o presidente nomeou militares do Exército para comandar a segurança pública. Mas a situação agora é bem diferente. O decreto diz que o interventor exercerá ;controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública;. Portanto, ele não será apenas um secretário de segurança, posto que terá muito mais poderes. Além disso, esse interventor não estará subordinado ao governador do estado. Estará, portanto, fora de alcance das pressões dos deputados e prefeitos.

[SAIBAMAIS]O interventor nomeado foi o General Braga Netto, Comandante Militar do Leste, que engloba cerca de 50 mil militares do exército. E, de acordo com o decreto, poderá ainda requisitar reforços da Marinha, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. O General Braga Netto terá sob o seu comando direto mais de 100 mil homens e mulheres. Em suma, nenhuma outra autoridade de segurança, na Nova República, que teve tantos poderes quanto o general acaba de ser investido.

Resta saber o que ele fará com isso. Alguns temem que ele siga as ideias do deputado Jair Bolsonaro, dê um ultimado para os bandidos da Rocinha e ameace metralhar todos, caso não se entreguem. Espero que não faça isso, pois, além de ser uma medida ineficiente para lidar com o tráfico, é ilegal. Ainda vivemos em um Estado de Direito. Os generais não necessariamente pensam como Bolsonaro. Eles foram colegas de Academia Militar. Mas isto faz tempo. Todos mudaram: os militares se adaptaram às regras da Nova República e Bolsonaro vive como político profissional há 27 anos.

Talvez se repita parte do planejamento de segurança pública feito para as Olimpíadas. Vale lembrar que a segurança dos Jogos do Rio foi um sucesso. Por quase dois meses a cidade sentiu-se segura. É bem verdade que mais em alguns lugares do que em outros. O principal incidente foi provocado pelo nadador norte-americano que deu oportunidade para a Polícia Civil desmascarar sua farsa. O problema é que esse ;legado; não foi duradouro. Os jogos acabaram e a insegurança voltou.

Replicar a operação Olimpíadas poderá trazer uma sensação de segurança por alguns meses. Talvez até as eleições. Pois o apoio financeiro do governo federal não deverá faltar até lá. Certamente, algum político pegará carona na diminuição momentânea do medo. Sua eleição pode ser o legado desta intervenção.

Mas há outro legado duradouro possível. Talvez o general queira sanear as polícias do estado. A despeito dos policiais corretos que honram a profissão, há uma banda podre, como disse, indignado, o ministro Torquato Jardim. Com o poder que tem e sem as pressões políticas tradicionais, o interventor pode reformular todo sistema de corregedorias. Começar a limpar a casa, pode ser um bom legado.


* Arthur Trindade M. Costa, professor de sociologia da Universidade de Brasília, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-Secretário de Segurança Pública do DF

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